quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

(Não) vai ficar tudo bem

O ano 2020 ficará sempre marcado pela esperança em que a expressão “vai ficar tudo bem” nos fez acreditar. A verdade é que depois de bem-comportados, desconfinamos mal e voltamos a desvalorizar o que temos de mais importante: a saúde e o respeito pelo outro.

Os dois meses de confinamento deram essa esperança de mudança a quem escreve sobre Desporto, a quem acredita piamente nos seus valores e que a competição só vale quando existe respeito pelo corpo, pelas regras, pelo adversário, pelo árbitro/juiz ou pelo público.

Vivemos momentos, ainda, de muitas incertezas. O stress é visível no dia-a-dia. Mas será que não aprendemos nada?!

O futebol profissional, que maltratou o público com jogos durante os dias de semana a horas tardias, que não quis erradicar a violência que grupos organizados cometem, preços oportunistas, vem agora exigir público? E do bem-comportado?! Não souberam fidelizar o “puro” adepto. Não transmitiram valores que o desporto não pode dispensar. Atletas e treinadores merecem público. Quem geriu o futebol profissional e não percebeu que a essência do futebol é o público no estádio, e não a televisão e o dinheiro, a participar positivamente no apoio à sua equipa e que vibra com o espetáculo, não tem moral para reclamar. Os clubes, que tanto promovem a clubite e o ódio, não conseguiram unir-se na causa maior: a valorização do espetáculo desportivo.

Quanto ao desporto, de formação, a DGS tem adiado as resoluções mais específicas e diretas para depois do início das aulas. Uma atitude discutível, mas que não justifica que existam clubes que não cumprem as regras atuais de distanciamento pelo medo de perder crianças/atletas. Basta passar por campos e assistem-se a sessões de treino iguais àquelas que se realizavam antes de haver COVID. Há muitas atividades que as crianças e os jovens podem realizar e que os ajudam no seu desenvolvimento motor e psíquico.

No desporto sénior – não profissional, existem receios de alguns agentes por não haver despistagens. As competições vivem semana a semana. Mas todos nós na nossa vida o estamos a fazer. Tem sido muito difícil para todas as organizações manter o equilíbrio entre a saúde, a economia e a retoma desportiva! Com certeza que o Governo e a DGS terão de repensar a situação de público nos campos. O desporto não tem culpa nem pode ser descriminado. Milhares de agentes desportivos por este país têm esse direito. Qualquer espetáculo é para o seu público. O direito do adepto não pode ser colocado em causa porque se parte do princípio de que vai portar-se mal!

A saúde é primordial. A educação indispensável. A atividade económica fundamental. Outras atividades como a cultura e o turismo essenciais à sociedade.

Só que o Desporto, não a clubite, é tudo isto: saúde, economia, educação, cultura e turismo.

Vai ficar tudo igual. Menos mal.

Expetativas e indefinições – O desporto é uma atividade MAIOR

Um dos muitos problemas que a pandemia está a provocar é o, ainda, maior abandono da prática desportiva dos jovens. Estas gerações têm sido formadas no sentido de que só a competição é importante e, agora que estas estão em suspenso, não conseguem motivar‑se para o desporto.

A verdade é que este abandono tem consequências com que mais tarde vamos ser confrontados em termos de saúde pública. Por exemplo, os jovens sinalizados com problemas motores e de coordenação antes da pandemia vão estar muito pior. A obesidade também vai aumentar. Resumir a prática desportiva à competição é limitador. O Desporto é muito mais que competição.

As dúvidas sobre a retoma das competições infantojuvenis são enormes e divergem de país para país. No caso português, em que o desporto é visto com uma atividade menor e em que não se valoriza o desempenho e superação de cada um de nós, a situação torna-se mais indefinida. Em Inglaterra, já há provas de camadas jovens. Os escalões mais baixos foram os primeiros a começarem e aos praticantes apenas é medida a temperatura corporal.

No entanto, as competições jovens já podiam ter sido repensadas e esta época já podiam realizar-se em moldes diferentes, optando por que fossem mais localizadas de modo a evitar a deslocação de pessoas pelas diversas regiões.

Os campeonatos distritais seniores podiam ter público, em número restrito. A única condição devia ser ter de se ser sócio do clube anfitrião. Fidelizar o sócio, premiando-o com essa possibilidade. Ao contrário do futebol profissional, o desporto amador merece que as aldeias, vilas e cidades tenham o «seu» futebol ao domingo de tarde. Sempre fiéis. Existem problemas nos transportes e nas instalações desportivas que asseguram a prática desportiva. Em muitos casos apresentam condições débeis. Já sem pandemia eram obsoletas!

A verdade é que os critérios para a realização das competições não são coerentes. Não são percetíveis. O desporto é muitíssimo mais que o futebol profissional ou a fórmula 1. Asfixiar o desporto “puro” é um erro com custos incalculáveis.

Dentro das possibilidades de cada família, devem os pais promover a atividade física individual, como o badminton, ténis de mesa, um cesto de basquete no terraço, andar de bicicleta e brincar. Brincar muito, em zonas onde o possam fazer.

No entanto, a situação deve ser acompanhada a todo o momento e a prioridade agora é mesmo a saúde e o combate à pandemia. Podemos, e devemos refletir sobre estes assuntos e preparar-nos para a retoma logo que estejam reunidas as condições. Até lá, temos de ter confiança na Direção‑Geral de Saúde e cumprir as recomendações.

Protejam-se, para voltarmos o mais breve possível.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Bola de Natal

O Vítor era o miúdo mais traquina da Zona da Sé, não havia dia nenhum que não se metesse em sarilhos! A tia Lili, uma senhora já com uma certa idade, era quem tomava conta dele enquanto os pais estavam a trabalhar. 
Para variar, o Vítor tinha pregado uma partida feia à tia Lili e ela pô-lo de castigo... sentado numa cadeira, na sala, lá estava o Vítor sem autorização para se mexer ou falar! Mas ninguém o podia impedir de pensar, usar a sua imaginação e inventar uma história para contar, logo mais à noitinha ao pai ou à mãe, quando estes lhe perguntassem o que tinha feito durante o dia?! 

Hoje está um lindo dia para dar um passeio, vou ver se encontro algum amigo lá fora para brincar. Então, à medida que se embrenhava nas ruas não via nenhum amigo para brincar mas olhava admirado para as casas e árvores, eram grandes e sombrias pensava... Foi então que algo lhe chamou deveras a atenção, ficava longe, parecia uma bola vermelha e brilhava como uma Bola de Natal.

Mas que coisa seria aquela, pensava o Vítor, enquanto se aproximava um pouco mais... uma maçã! Sim parecia uma bela maçã redonda e grande como ele nunca vira antes. Estava decidido, ele queria aquela maçã. Não importava como ia consegui-la, estava disposto a tudo para alcançar os seus intentos. 

Se fosse mesmo necessário o Vítor estava decidido a subir a árvore. Sim, era isso mesmo, ia subir a macieira. Quando ia já a meio do caminho, uma pernada onde se sustentava quebrou e ele caiu. Magoou-se um pouco, mas não queria desistir e então pensou para si: 
- “Não prestei atenção onde pus os pés... Vou subir com mais cuidado!” 

Decidido, resolveu tentar outra vez. E nesse momento, quando nada o faria prever, começou a cair uma chuva muito forte seguida de trovões. Mas o Vítor não tinha medo da trovoada e muito menos da chuva. Estava quase a conseguir quando, de repente, se ouviu um enorme relâmpago e um raio muito brilhante caiu sobre a macieira, mesmo junto a ele. O Vítor apanhou o maior susto da sua vida e, de novo, caiu da árvore.
 Estava quase a desistir, mas eis que a chuva pára de cair e o Vítor imagina o quão deliciosa e suculenta deve ser aquela bela maçã vermelha e mais uma vez se decide a subir. Quando ele já tinha subido um bom pedaço, pernadas caiem. Ele desvia-se para não se magoar novamente. Depois de analisar a situação com cuidado decidiu que o melhor, seria subir com uma corda e assim fez. Mas o Vítor não estava com sorte e no meio da subida, a corda partiu-se e ele caiu uma vez mais... 


O Vítor começou a achar que aquilo já eram obstáculos a mais e se calhar não conseguia subir ao cimo da macieira porque a maçã devia ser mágica e não queria ser colhida. Pensou e repensou e decidiu que só lhe restava mais uma hipótese: ir buscar uma escada para subir. E se bem pensou, melhor o fez... Depois de colocar a escada, ele subiu e sorrindo comentou: 
- “Com a escada parece tudo mais fácil, acho que desta vez consigo!”. Finalmente chegou ao cimo da árvore. Muito contente, olhou a maçã e exclamou: 
- “Valeu a pena o trabalho que tive”. E colheu a fruta. Vitorioso, ele desceu e foi para casa. Enquanto isso pensava no que a tia Lili lhe dissera:  

- “Vitinho os obstáculos existirão sempre na vida das pessoas. Lutar e tentar vencê-los é o verdadeiro desafio”. 
Talvez se ele lhe oferecer a maçã, parecida com um bela bola vermelha de Natal, que custou tanto a colher ela o deixe ir para a rua jogar à bola. 
E sorriu.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Maradona em Viseu : As minhas memórias

Era a década de 80 do século passado. Tudo era possível. Tudo estava a acontecer. O ano de 1982 foi marcante para a minha geração. O rock em português estava a “explodir”, a televisão começou a transmitir a cores e realizou-se o Mundial de Futebol em Espanha. Um acontecimento muito perto de nós e que foi transmitido na íntegra na RTP a cores. A seleção brasileira era a paixão de, quase, todos os adeptos e intervenientes do futebol e presenciávamos o “nascimento” à escala global de Diego Armando Maradona.

Para nós, beirões, foi uma época em que o Académico de Viseu era um clube de 1.ª divisão e, nem que seja por isso, os anos 80 começaram com cor e a cidade tornou‑se mais dinâmica e moderna.

E eis que surge a notícia de que os Prémios Gandula 1982/1983 iam ser entregues em Viseu e que entre os premiados estava Maradona. Estes prémios eram uma criação do jornalista brasileiro Wilson Brasil e homenageavam dezenas de desportistas – das mais diversas modalidades – além de jornalistas e personalidades que se haviam destacado no mundo do desporto. Os agraciados recebiam um pequeno troféu dourado com a figura de um “gandula” (uma das crianças apanhadoras de bola nos jogos de futebol), que personificava, segundo o seu criador, “a humildade que simboliza a grandeza do desporto”. Para quem, como eu e os meus amigos, respirava futebol, foi desde logo uma excitação podermos estar junto dos nossos ídolos e, caso fosse verdade, de Diego Maradona.

 
                                  Revista Olá Viseu (1983) créditos de https://www.facebook.com/antoniojose.coelho.9

Existem poucos registos desse evento. Só a memória de alguns que estiveram presentes e, como sabemos, esta por vezes atraiçoa-nos. Não posso precisar a data, sei que era uma noite fria, bem beirã. Eu e alguns dos meus amigos da Zona da Sé deslocámo-nos para o Restaurante São Mateus, por volta das 20:30, para podermos ver os treinadores, jogadores, árbitros, jornalistas, dirigentes que conhecíamos dos cromos e da TV. Neste restaurante decorreu o jantar com os convidados, que teve como anfitriões o presidente do Académico de Viseu, António Joaquim Ferreira (responsável por ter convencido Wilson Brasil a vir a Viseu realizar este evento), e o próprio criador do prémio.

No fim do jantar, convivia-se animadamente e enquanto se vestiam os casacos quentes para a noite fria que estava na zona da Feira, o então presidente da AFV, Osório Mateus e o jornalista Vilas Boas, sabendo que uma dúzia de crianças esperava pelo momento em que os presentes iam sair do restaurante para o Pavilhão A, vieram, como era apanágio destes grandes senhores, chamar‑nos para podermos recolher autógrafos e estarmos, um pouco, junto de todas estas personalidades do desporto. António Vidal e António Figueiredo Caessa, presidente e vice-presidente da Câmara de Viseu na época e Carlos Costa, secretário da AFV, estavam do “nosso lado” nesta procura pelo contactar tanta gente ilustre. Não sendo eu muito de me chegar à frente, ainda consegui, na minha sebenta de escola, os autógrafos do José Maria Pedroto, João Rocha, António Garrido e de atletas como Gomes, Inácio, Reinaldo, Dito, Octávio, Mário Jorge, Fonseca e outros que, ainda, guardo religiosamente. Não havia selfies!


O evento começou no Pavilhão A da Feira de São Mateus e nós, que não tínhamos acesso, mantivemo‑nos junto à entrada, nas grades à espera de Maradona. A verdade é que as informações eram contraditórias e se uns diziam que ele já não vinha, outros que ele já estava na cidade a jantar. A mentalidade “tuga”, sempre presente, é que era um logro e que Maradona nunca viria a Viseu neste dia e que tudo não passava de uma manobra de boas intenções ou de marketing.

Não foi o que aconteceu. De repente damos pela chegada de um carro e de lá de dentro sai o Diego Maradona. A noite fria aqueceu e cerca de duas dezenas de crianças e jovens que ali estavam correram para ele na ânsia de conseguir um autógrafo ou mesmo apenas de estar ao seu lado.

Não fui um dos felizes contemplados. Mas, para quem vivia com paixão o desporto, estar na minha cidade e receber Maradona foi um dos momentos que me tiraram o sono. Na época o futebol era, quase, tudo para mim. Meses mais tarde, como o meu cabelo já era encaracolado, a minha adoração pelo "El Pibe" levou-me a querer pôr brinco na orelha, como ele. O meu pai é que não foi na conversa e brinco na orelha era sinal de não ter lugar à mesa para comer! Bons tempos. Dentro do Pavilhão, nada sei do que se passou, mas Maradona não esteve muito tempo na cerimónia. A saída dele em passo apressado aconteceu uma hora depois, se tanto, e entrou de novo no mesmo carro que o transportou não sei para a Marisqueira Alvorada, Hotel Grão Vasco, aeroporto, ou se mesmo para o aeródromo de Viseu.

Muitas histórias são contadas. Existe um grande romantismo à volta desta passagem de Maradona por Viseu. Hoje é difícil explicar às novas gerações os significados destes acontecimentos saboreados lentamente e em que o mundo ainda era muito a preto e branco.

A verdade é que o melhor jogador de futebol de sempre esteve na minha cidade, onde foi agraciado, quando já era um ídolo para muitos de nós. Se o Mundial de 82 não lhe correu bem e a “minha” Itália ganhou ao Brasil e foi campeã, Maradona, jogador do Barcelona, que começava a ser o número 1 do mundo para mim, marcou presença numa gala realizada numa cidade do interior do país. Deu-se a esse trabalho ou prazer. Era Diego Armando Maradona!

Nunca fui de correntes e os meus ídolos foram sempre atletas geniais pelo que faziam em campo e pela sua personalidade, muitas vezes excêntricas. E aí ele era um génio único. Sem igual. Nunca o foi pelos valores que devem reger um futebolista. Desordenado ou caótico. Mas para mim foi o melhor. Sempre foi Maradona.

Saudades de Maradona.

Os pais também jogam

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