Durante os
15 anos em que estive ligado ao desporto como treinador de crianças e jovens,
foram muitos os episódios que me incentivaram a escrever sobre o comportamento
dos adultos na prática desportiva.
Todos
cometemos erros, e eu não sou exceção. Queria e quero sempre ganhar. Apaixonado
pelo desporto, vivia tanto ou mais que muitos que estabulavam em cada jogo, sem
que para isso precisasse de desrespeitar quem quer que fosse.
A verdade
é que nunca foi preciso nenhum árbitro me admoestar e nunca fui injuriado por
adversários por alguma atitude menos própria que realmente tenha adotado. A
convivência com os pais nem sempre foi fácil. Muitas vezes a mensagem não lhes
chegava da melhor forma e sentia-me incapaz de lhes transmitir que o que
fazíamos era o que entendíamos ser o melhor para o filho.
As sextas-feiras,
dia das convocatórias, eram um suplício. O telemóvel tocava quase em
permanência.
O
insucesso de alguns atletas em jogo só atrasa o seu processo de evolução. Os treinos
são autênticas sessões de aprendizagem/evolução, mas não são encarados como
tal. Entre um jogo em que o fracasso está presente e um treino em que o êxito é
muito grande, os pais optam sempre pelo primeiro. Desvalorizar o treino é um
dos grandes erros dos progenitores.
Partilho
convosco alguns dos episódios que vivenciei e que ainda hoje não compreendo
porque tiveram, têm e terão de ser assim.
1 –
Jogava-se uma final de um campeonato distrital de futebol de 7, sub-13. A
rivalidade entre as duas equipas é enorme e o ambiente, com o campo cheio de
espetadores, de muita festa e adrenalina. Quando o árbitro apita para o fim do
jogo é uma explosão de alegria pela vitória. Surpreendentemente, a mãe de um
atleta meu invade o campo e dirigindo-se a mim, com o dedo indicador apontado
ao meu rosto, diz-me:
– "Não volta a falar assim para o meu filho". Nem o
título de campeão me livrou da descompostura.
(Os pais não percebem que a forma como
comunicamos com os atletas depende da personalidade destes e de os conhecermos
bem em competição.)
2 – Fase
final de um campeonato distrital de juvenis. A competitividade estava no auge e
eis que na véspera de um jogo, por volta da 1:30 h da noite de um sábado, um
meu atleta envia um SMS a solicitar transporte para o jogo da manhã de domingo.
A hora deste envio devia-se ao facto de ter adormecido cedo e se ter esquecido
de enviar a mensagem. Pura mentira. Estava mesmo à minha frente na zona
histórica da cidade, zona dos bares e de convívio noturno. A minha resposta
foi:
– "Deixa-te estar onde estás, que acabas de ser
desconvocado". Não pactuei com a mentira. Perdemos o jogo e o 1.º
lugar. O jovem e a mãe pediram desculpa pelo sucedido e afirmaram que não
voltava a acontecer. No final do jogo seguinte, um colega treinador do clube
abordou-me e disse-me que o atleta em questão estava na mesma zona na noite
anterior ao jogo. De nada valeu. Hoje sei que prejudiquei a equipa.
(Na formação não conseguimos corrigir
comportamentos se os pais forem cúmplices nos desvios às regras pelas quais se
deve reger um atleta.)
3 –
Campeonato distrital de juniores. O jogo aproximava-se do fim e, na bancada, os
pais andavam numa pancadaria que concentrava a atenção de todos. O jogo deixou
de ser importante e os atletas e árbitros só olhavam para a bancada. O árbitro
apitou para o final do jogo e só vi os jovens a correrem desenfreados para as
bancadas em socorro dos pais. A gravidade da situação levou a que fôssemos
aconselhados a recolher rapidamente aos balneários e lá ficássemos fechados.
Quase duas horas encarcerados, com muitas pedras a caírem no telhado do
balneário e gritos de ameaças. Por fim, a GNR chegou e escudou-nos até ao
autocarro para que pudéssemos regressar. Momentos de terror autênticos.
(Campos/pavilhões complicados sempre
existiram. No século XXI não se justificam estes comportamentos, porque na
formação o público é constituído maioritariamente pelos familiares dos atletas,
que devem dar o exemplo de bom comportamento e educação.)
4 –
Campeonato distrital de juniores. O jogo decorria normalmente e a minha equipa
vencia por 2-0 na situação de visitante. Numa saída de bola pela linha lateral,
o atleta adversário fez o lançamento com outra bola que rapidamente apanhou. A
primeira bola tinha ficado a meus pés. Quando a devolvi, rasteiramente, para o
banco dos visitados, eis que sou surpreendido com a atitude patética do
treinador adversário. De braços abertos e virado para a bancada, começou a
dialogar com o público:
– "Já viram que estes gajos da cidade vêm para
aqui gozar connosco?! A bola estorvava-lhe e teve de a enviar para aqui para me
distrair". O meu
espanto era total e fiz-lhe a sinalética de que ele era tolinho. No final do
jogo, e já na zona do túnel, veio pedir-me desculpa pelo sucedido, dizendo que
nada tinha contra mim, mas que, perante a derrota, "convém agradar aos
pais com estas atitudes"!
(Muitos agentes desportivos, entre os
quais treinadores, utilizam a manipulação dos pais e atletas para a sua agenda
pessoal. Na escolha do perfil de treinador de formação deve constar o saber ser
e estar.)
5 –
Campeonato de sub-10. Era uma criança com uma paixão enorme pelo futebol e com
potencial reconhecido por todos. Por norma, era a mãe que o levava aos treinos
e jogos. No primeiro jogo a que foi assistir, o pai passou toda a primeira
parte a dar indicações ao filho. Este estava quase imóvel e de semblante
fechado. No intervalo, quando o abordei para saber porque estava ele triste e
parado, respondeu-me:
– "Mister, o meu pai não se cala, está sempre a
dizer o que devo fazer ou não. Não consigo jogar assim". Falei com ele,
dizendo para tentar abstrair-se e decidir por ele. No final, conversei com o
pai, que se mostrou estupefacto por ter causado esse efeito, já que era
precisamente o contrário do que ele pretendia. Pediu desculpa e assim foi:
nunca mais deu indicações e passou a concentrar-se no apoio à equipa.
(Devemos abordar educadamente os pais
e transmitir-lhes que quando estão a dar instruções ao filho, da lateral, estão
a distraí-lo e a criar nele uma grande confusão.)
6 –
Campeonato Nacional de Iniciados. A época começava e, nos dois primeiros jogos,
a equipa não tinha ainda tido o desempenho esperado por muitos pais. Depois da
segunda derrota, leio a crónica do jogo num Jornal Regional. O "jornalista"
comentava o meu trabalho de uma forma tendenciosa, mandando autênticos recados.
Procurei quem tinha assinado o texto para lhe dizer que não aceitava aquele
tipo de recados. O autor do texto e quem assinara não eram a mesma pessoa. O
texto, que eu fiz questão de partilhar no meu Facebook, tinha sido escrito pelo
pai de um atleta (o que para mim já não era propriamente novidade), a fazer de
treinador com preferência para que o filho jogasse.
(Os pais são muito importantes no
acompanhamento dos filhos na prática desportiva. Podem colaborar em várias
atividades do clube como transportes, angariação de fundos, logística, mas
NUNCA na área técnica.)