Ainda no mês passado assistimos a mais um momento de violência protagonizado por um treinador sobre o elemento que arbitrava o jogo entre crianças de 11 anos.
Quando pensamos que estes casos
já são do passado, existe sempre quem nos recorde que ainda temos muito
trabalho a fazer. A época desportiva que agora termina também nos deu
indicações, muitas mesmas, de maus comportamentos de treinadores.
Começamos pelo ser treinador. Não
é quem quer. Quem paga para ser. É preciso ter talento, ser-se líder e
completar com formação. Hoje está quase tudo ao contrário. Não se pode fazer
desta formação só uma fonte de receita. Quando não damos relevância aos
comportamentos, à ética desportiva, à gestão emocional e ao exemplo, não
estamos a formar, mas a vender conhecimento técnico.
Faço desde já uma declaração de
interesse: sou acérrimo defensor da formação. O treinador tem de ter
competências a vários níveis para o desempenho da função. Deve comprometer-se a
fazer toda a formação exigida sem interrupção. Ao não cumprir com este
requisito, aí sim ficaria impedido de exercer qualquer função, de forma a não
se socorrer de artimanhas para continuar a poder orientar a equipa.
Não sou corporativista e muito
menos fundamentalista. É exigida muita formação na área técnica, da qual temos
excelentes exemplos em conceção e metodologias de treino, mas poucos
"falam com o jogo" como refere o Mister Toni. É o mais importante
para se ser treinador. O jogo. Perceber o jogo. Mexer com o jogo. As outras
competências adquirem-se e, em muitos casos, complementam-se com elementos,
formando excelentes equipas técnicas multidisciplinares.
"Quando deixei de jogar disseram-me que eu tinha de
estudar quatro anos para poder ser treinador. Disse-lhes que estavam
loucos." Johan Cruyff
A independência também é muito
importante. Mas é uma outra história. A sobrevivência no "emprego"
por vezes não o permite.
Na formação temos de ser ainda
muito mais exigentes com o perfil do treinador que vai ser responsável pelos
"nossos" jovens e crianças. Faz todo o sentido que a exigência de
formação a quem trabalha com crianças e jovens seja obrigatória, mas em que os
módulos da ética e dos comportamentos sejam tão ou mais relevantes que o da
técnica. Educar através do desporto e para o desporto é a prioridade.
O comportamento do treinador é
vital no desenrolar de um jogo. A forma como os dois treinadores adversários se
respeitam antes, durante e no fim do jogo podem fazer, e fazem, toda a
diferença. São comportamentos positivos dissuasores de potenciais conflitos. O
desporto é uma atividade neutra. Consideremos o desporto uma ferramenta e a
forma como a utilizamos é que vai fazer a diferença. Pode ser utilizada
positivamente ou negativamente.
O "saber estar" tem de
ser uma atitude na atividade de Ser treinador e ganha uma relevância decisiva a
partir do momento em que o treinador entende que, para ser um líder motivador,
tem de respeitar o direito dos outros e estar com os outros segundo uma
perspetiva de valorização e personalização dos seus colegas adversários. É uma
atitude que vai sendo enriquecida, na medida em que o treinador passa a
entender o "papel da comunicação" com todos os elementos que
partilham, ao mesmo tempo, as atividades desportivas.
Saber ser treinador também não é
um saber que se possui quando se termina a carreira de atleta, quando se faz o transfer de qualquer lugar do público ou
da universidade para o cargo. Quem pensa que treinador sai de laboratório
também não percebe do jogo. Muitos treinadores com níveis de formação elevados
nem clube têm!
O treinador tem a obrigação
ética de respeitar todos os que participam nas atividades desportivas, no
exercício de funções que lhes são próprias. É isto a que temos assistido no
futebol profissional?! A formação exigente e onerosa de nível superior não se
interessa pelos valores do desporto?! Muitas contradições levam a que se
extremem posições e não se defina de vez uma "carreira" sensata.
Desporto e cultura são atividades diferenciadas das outras. Não é maestro quem quer. O talento tem de estar presente. Muitos confundem talento com vocação.