quinta-feira, 29 de maio de 2025

Bitoques e campos da bola

 Raramente — muito raramente — um domingo no campo da bola se resumia a ver um jogo.

Aquilo era mais. Muito mais.

Era ritual. Era encontro. Era herança.

Juntavam-se gerações…

O avô, o pai, o neto — todos lados a lado, na bancada improvisada, no monte de terra, no

penedo!

Mais do que futebol, era identidade.

Mais do que golos, era pertença.

Os clubes… ah, os clubes!

Não eram só camisolas, não eram só emblemas.

Eram motores de transformação —

formadores de gente,

inclusivos, solidários,

capazes de levantar a autoestima de uma terra inteira com um golo aos 89.

Ali respirava-se a alma de um povo.

Um povo que encontrava naquele momento — naquele domingo frio, ou soalheiro —

uma razão para sorrir, para vibrar, para dizer: esta é a minha gente!

Nos dias de geada, acendiam-se fogueiras.

À volta delas, castanhas a estalar e mãos a aquecer.

O bar? Ah, o bar era ponto de encontro —

fumo cerrado, homens de copo na mão, histórias contadas sem pressa.

As mulheres? Ficavam cá fora. Nos carros a fazer renda!

Trazia-se-lhes um sumo, talvez, mas aquele espaço... era deles.

Um reduto rude, sim.

Mas com uma generosidade que morava por baixo da calça de cotim e do boné de feltro.

Não havia rivalidades no bar.

Ali bebia-se. Conversava-se.

E colaborava-se para que o intervalo durasse o tempo suficiente.

Nalguns campos, o bilhete era cortado à saída e... voltava a servir para a segunda parte.

Não era desonestidade — era confiança.

E confiança havia, fosse-se da casa ou de fora.

Em Repeses, o intervalo dava para tudo — até para ir ao pinhal apanhar míscaros.

Levava-se o saco no bolso.

Os mais velhos guiavam os passos e apontavam os comestíveis.

Em Vildemoínhos, com a proibição da venda do álcool nos campos, montou-se uma cortina a

esconder o bar.

A polícia fingia que não via… às vezes.

À entrada, vendiam-se tremoços e amendoins.

As tortas?! Eram para levar para casa — luxo de tempos apertados.

E depois vieram as bifanas!

A correria ao bar ganhou outra velocidade.

Perdia-se o início da segunda parte, sim…

mas ganhava-se aquele sabor quente e gorduroso que sabia a festa.

O Campo 1.º de Maio, no Fontelo, não tinha bar.

Era para os miúdos, para os que ainda sonhavam.

Mas mesmo aí… havia quem escapasse ao “Malhado” para manter viva a tradição.

Nos campos da bola…

celebrava-se a diversidade.


E era no bar — imagine-se —

que essa celebração mais se via.


Vitor Santos

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